Como foi e como É a minha ansiedade

Tenho 21 anos e há alguns anos que sofro de ansiedade geral. Para não dizer que sofro de ansiedade desde que me lembro de existir neste mundo. Não sei ao certo quando começou mas tenho a certeza que sempre esteve presente até nos pequenos acontecimentos da minha vida, eu é que não notei.  Ou como a minha mãe dizia, estava apenas com angústia. Verdade seja dita, ansiedade não era levada como um problema até à uns tempos. Todavia, hoje consigo ver como ela sempre foi parte de mim até nos mais pequenos eventos da minha vida.

Quando era mais pequena e emprestava alguma coisa a alguém, durante a noite não conseguia parar de chorar, isto porque tinha emprestado algo que eu adorava e a minha cabeça já corria a mil com tudo o que podia acontecer ao meu livro ou brinquedo antes que eu pudesse reave-lo.  Lembro-me que tremia e chorava ao pensar que o  meu pai ia chegar a casa e perguntar se eu tinha feito os trabalhos de casa e, eu, na minha infantilidade não os tinha feito. Ele nunca me levantou a mão, nunca me fez nada de mal, e mesmo assim, só de pensar que ele podia ficar aborrecido de eu não ter feito os trabalhos de casa ficava nervosa, e por isso mesmo, durante muitos anos, assim que chegava a casa a primeira coisa que fazia era os trabalhos de casa. Lembro-me que antes do primeiro dia de aulas, para além de não conseguir dormir como todas as crianças, tinha dores no peito. A minha mãe nessa altura levou-me muito ao médico, este dizia que eu podia ter asma. Asma este que nunca foi comprovado mas tive de usar uma bomba de ar durante uns tempos na mesma. A primeira negativa que tive a matemática no sexto ano, foi outro momento que realmente me deixou num ataque de pânico. Lembro-me plenamente dos meus amigos dizerem "Adriana, tem calma é só um teste, não é preciso estares assim" mas eu não conseguia parar de chorar, pensando que iria desiludir os meus pais e deixa-los mal. O que não foi o que aconteceu, pelo o contrário, deram-me uma palmadinha nas costas e disseram "Acontece, na próxima melhoras". 

Com a puberdade vários outros acontecimentos pioraram a minha ansiedade, que só por si, já não era mínima. Sofri de bullying. Claro que acabei por pensar que não era bullying e como toda a gente dizia, "estava a fazer uma fita." Hoje, sei ver que não foi só uma fita. Comecei a ser chamada de lésbica nas redes sociais e de gorda, acabando mesmo por ser chamada de monstro pela pessoa que eu muito platonicamente gostava, coisa de miúdos, nem sabia o que amor era. A verdade é que ganhei toda uma nova visão sobre mim e o meu corpo e personalidade, uma visão que infelizmente era negativa. Perdi bastante confiança e também comecei a odiar olhar-me ao espelho, tinha 12 anos, nenhuma menina de 12 anos tem de sentir isso. Sempre que procurei ajuda, recebi a mesma resposta: 'são coisas de miúdos', 'acontece', 'estás a fazer um drama', etc, etc. Então aprendi a fechar a boca, a calar-me sobre o que me magoava e seguir em frente, no final das contas 'estava apenas a fazer um filme'. Quanto mais ouvimos a mesma coisa mais queremos acreditar nela. O problema é que no meio disto tudo, a minha ansiedade ainda me fazia pedir desculpa aos supostos 'bullies' por todo o mal que lhes poderia estar a causar, porque eu era a culpada de eles me estarem a fazer mal. Isto é ansiedade. 

Com novos bichinhos na cabeça, passei anos difíceis. Toda esta guerra entre mim e o meu espelho foi piorando, e quando dei por mim, já me inferiorizava perante qualquer pessoa que levantasse o tom e pedia desculpa quando me magoavam. Faz sentido? Claro que não. A minha cabeça convencia-me que tudo de mal que me acontecia era por minha causa. Todas as discussões que aconteciam à minha volta: culpa minha. E no final do dia, independentemente de ter razão ou não, pedia sempre desculpas. Pedir desculpa tornou-se um hábito perante todos aqueles que me rodeavam. E para além de ter deixado de saber como desabafar, deixei de saber dizer quando me tinham magoado e de como ficar chateada. Eu não tinha direito a estar, nunca tinha, porque a minha cabeça dizia que a culpa era minha e sempre seria. Portanto, o mais fácil era sempre refugiar-me. Esconder-me. Recusar convites, recusar jantares, recusar estar com amigos, apenas para poder estar comigo própria refugiada no meu computador e com os meus amigos virtuais. Esses, que me entendiam tão bem. Lembro-me inclusive que a minha mãe andou atrás de mim um verão inteiro do 11º ano porque não saía de casa, não estava com ninguém, estava de manhã à noite no computador. Mal sabia ela que muitas noites adormecia a chorar porque me sentia uma inútil. A minha cabeça convencia-me que era uma completa inutilidade neste mundo e que realmente toda a gente seria mais feliz se eu simplesmente desaparecesse, inclusive eu própria. 

Depois, um dia, comecei a descobrir mais sobre mim. Mudei de ares e pela primeira vez na minha vida comecei a ser egoísta. Tive muitas zangas, muitas pessoas que não entenderam a minha mudança brusca, a verdade é que nem eu entendia. De repente, comecei a zangar-me facilmente com tudo e todos, comecei a chorar sempre que magoada e a gritar sempre que ofendida. Apercebi-me com o tempo, que durante 18 anos tinha afundado muita coisa dentro de mim. Muita mágoa, muita dor, e que finalmente estava a vir tudo ao de cima. Mas não seria isso que curaria a minha ansiedade, pelo o contrário, apenas iria dar-lhe mais força. Os problemas nunca desapareceram, apenas finalmente comecei a vê-los. E assustei-me. Eram muitos. Muitos problemas que a minha cabeça tinha guardado e agora tinha de aprender a assimilar tudo mas não consegui logo.

Em 2015 comecei a vomitar sempre depois de uma refeição. Já tinha bulimia à mais tempo, pois bulímia é a restrição de comida, culpa enquanto o acto de comer e o controlo excessivo do que é ingerido. O vómito é apenas outra das características. Foi nesse momento que percebi que tinha ido longe de mais. Procurei assim que pude um psicólogo. Tinha medo. Tinha perdido o controlo para o bicho. Já não conseguia perceber o que eram os meus pensamentos e o que eram os pensamentos originados dele. Nesta altura, a minha psicóloga disse-me que o que eu tinha chamava-se: ansiedade e que a ia ter para o resto da minha vida. Foi aí que conheci pela primeira vez o meu problema, mesmo que ele tenha vivido comigo toda a minha vida. Demorei um ano para aceitar totalmente que o tinha, muitas vezes desejei que tivesse apenas a fazer um filme. Muitas vezes desejei que realmente fosse apenas eu a ser dramática. Mas não era, era a minha realidade. É a minha realidade. Portanto, seria mais fácil aceitá-lo em vez de estar constantemente em negação. Hoje em 2017 aceito que tenho um problema, aceito que faz parte de mim, mas há dias que simplesmente me sufoca.

Se algo novo acontece, se existe uma mudança, se um tom muda, volta tudo de novo. Tenho constantemente necessidade de pedir desculpa, até mesmo quando sou eu que estou a chorar por algo que me está a doer. Antes de dormir consigo pensar em vários cenários negativos. Tenho medo de perder pessoas constantemente. Penso nas consequências dos meus actos todos os dias e sofro sem essas consequências terem acontecido ainda. Tenho medo. Tenho inseguranças. Tenho raiva. Sinto-me perdida. Confirmo três vezes as coisas que faço quando são de alta responsabilidade. Peço desculpa quando me irrito, quando grito, quando choro, quando me magoam, quando digo o que sinto. Tento controlar? Sim, há dias bons. Há dias em que já sou mais valente, que já faço frente. Que já luto por Mim. Pela minha felicidade. Eu acreditava que estava em guerra comigo própria, mas hoje entendo que é uma guerra desnecessária, é uma luta interna sem causa. Pois eu tenho é de acreditar em mim. Já caminhei uma longa jornada. Já aprendi a amar-me mais. Parei de vomitar. Comecei a olhar-me ao espelho e sorrir. Comecei a dançar à frente dele nua. Já digo o que sinto. Já digo o que me magoa. Já choro livremente. Não vai ser algo do dia para a noite, por mais que me custe admitir isso, vai ser um tratado de paz longo, que vai demorar muito tempo até finalmente chegar ao seu objectivo. Mas quero aprender a olhar para o que já consegui em vez de pensar em tudo aquilo que ainda me falta.O que também é difícil porque muitas vezes estou mais perdida no futuro, do que no presente. Todavia, já fiz muito, já cresci muito, e ainda que tenha muitos sintomas ainda, já sei acalmar-me, já sei respirar fundo, e mais que isso já me respeito.

A minha ansiedade já me pôs perto de uma depressão há dois anos, e este ano conseguiu. Esta é uma nova batalha que tenho de passar. Aceitar que para além de ansiedade estou deprimida e que espontaneamente me vou abaixo. Regressei a querer ficar apenas em casa e a isolar-me. A pedir desculpas várias vezes seguidas. A ter dores no peito e a não conseguir respirar. Custou-me pois tudo aquilo que consegui pareceu-me estar a fugir por entre os dedos. Não vi, foi como pelo o contrário, o que consegui fez me mais forte para poder lidar com esta situação com a cabeça erguida. Não estou num estado muito grave, mas sei que se não fizer nada para mudar, posso acabar num sítio muito escuro. Sítio que não tenho intenções de passar, nem de visita.  Apesar de estar muito assustada e sentir que não tenho a força suficiente para sair desta, quero convencer-me que consigo. Eu vou conseguir. Vou conseguir estar estável, feliz. Sem todas as preocupações excessivas na minha cabeça. Eu vou conseguir e tu vais conseguir.

Apercebo-me cada vez mais que os problemas psiquiátricos não são levados a sério na sociedade e que para muita gente isto pode ser apenas eu a fazer-me de vítima, ou então, é a minha cabeça a dizer-me que isso é o que as pessoas vão pensar de mim ao lerem isto. É difícil viver num mundo que facilmente te vai ver como fraca por te ires a baixo tão facilmente ou por teres ataques de ansiedade e  de pânico. Porém, de fraqueza não tem nada, pelo contrário mostra a força que tens. Que eu tenho. Hoje não quero saber, quero partilhar esta minha angústia mas também esta minha vitória. Eu tenho ganho. Eu estou aqui. Eu não desisti. Eu ainda me rio, ainda estou com amigos, ainda amo e gosto de ser amada. Eu estou viva. E fodasse, tenho orgulho em mim. Chega de nos inferiorizarmos se temos medos e inseguranças. Somos campeões. Esta vida é difícil e fria, e se nem soubermos bater nas nossas próprias costas, vamos sofrer muito. 

Levem a vossa doença, o vosso problema, o vosso medo a sério. E lutem. Sempre. 

Comentários

  1. Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,
    Sacode as aves que te levam o olhar.
    Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.



    Porque eu cheguei e é tempo de me veres,
    Mesmo que os meus gestos te trespassem
    De solidão e tu caias em poeira,
    Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras
    E os teus olhos nunca mais possam olhar.






    Sophia de Mello Breyner Andresen

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  2. Queria-te dizer muitas coisas mais, sintetizei neste belo poema da Sofia Andersen(pareceu-me adequado á tua (nossa luta (s)e vitórias , como sabes a vida quis assim , eu sei que és uma lutadora , todos somos, claro e obvio uns mais que outros , és e sempre foste desde que nasceste a minha eterna luz!! .. ......Eu sei que me vais iluminar sempre! ....

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  3. Morre-se de tanta coisa
    Quanto a mim morro-me de ausência
    morro-me com todo este céu a cair-me por entre os dedos;
    pedacinhos de memória pendurados
    morro-me também...da melancolia
    quando tu, sem eu saber porquê,
    nem te aproximas nem acenas
    ah sim, também se morre de silêncio





    Victor Oliveira Mateus

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  4. https://www.youtube.com/watch?v=_9fmmLK5PgE , Gabrielle Goodman-Over the rainbow

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