E os de Letras, onde se sentam?

Toda a minha vida soube que o meu lugar era em Humanidades. Não por muitos afirmarem que é mais fácil, mas por amar História, escrever e línguas. Sempre soube que não me importaria de passar anos a ler, muito menos anos a escrever e a pesquisar. Aos quinze anos tomei a decisão de ir para Humanidades e aos 18 de ir para a Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa. Se me arrependo da minha decisão? Nem um pouco, nem perto disso. Foram dos melhores anos da minha vida. Claro que sofri pressão e tive receios, mas fui muito feliz e mais que tudo fui compreendida. Encontrei um mundo onde abrir a boca para falar de algo mais invulgar era bom, porque alguém ia conhecer e se ninguém soubesse, iriam querer ouvir. Para não falar que era sempre bom sentar-me na esplanada a ter discussões políticas, durante horas. 

Em Letras há de tudo um pouco, e é sempre possível fazer amizade com alguém que entenda os nossos gostos, por mais pequenos e invulgares que forem. Aprendi História, Filosofia, Política, Escrita e Literatura. E não foi fácil, Letras também custa e também puxa por nós, não se deixem enganar pelo que toda a gente pensa. Matemática é muito complicada, mas a História do mundo não começou há cerca de 500 anos. É longa e não se aprende da noite para o dia. 

Sempre me disseram que as pessoas de Humanidades iam acabar no desemprego ou fora da área que gostam. Infelizmente isso tem se provado uma realidade. Poucos são aqueles que encontram o trabalho na área que estudaram. E menos são aqueles que fazem aquilo que amam e dentro da área que se dedicaram 3 ou 5 anos da sua vida. 

Eu entendo, a ciência, a medicina, a economia, a engenharia, são assuntos que têm um enorme peso na sociedade e como esta se regula. São os temas que abrem portas para grandes salários e que controlam como o mundo funciona. Não quero de todo tirar todo o crédito merecido a todas as áreas que existem neste mundo. Digam-me, no entanto, se acham mesmo que o mundo funciona sem nós, 'os tristes'?  Verdade que o emprego é pouco, não há muito que nós possamos dizer. Tudo aquilo que temos são ideias, inspirações, patetices. Mas nós estudamos como o mundo foi, e como pode evitar que aconteça de novo. Nós lemos o que os filósofos tinham a dizer e procuramos encontrar um sentido de justiça. Nós sentamos-nos, discutimos horas e horas assuntos intelectuais por gosto, procurando chegar a um consenso que nunca chegará a tempo. Gostamos de uma cerveja no topo da mesa enquanto lançamos as mãos ao ar, debatendo quem foi sim o pior ditador deste mundo. Nós temos sonhos, nós somos sonhadores. Antes do mundo real nos tirar esta pequena luz, falamos, escrevemos, sonhamos.  E outros, como nós, acabam por estudar algo diferente, trabalhar noutra área mas sempre seguindo a sua motivação no final do dia, escrevendo um livro ou escrevendo um argumento de um filme, por exemplo.

O mundo tem poucos Filósofos hoje, o Jornalismo está a morrer, muitos escrevem apenas para ganhar dinheiro, e todos aqueles que pensam sobre o mundo são empurrados para fora do plano. Toda a gente quer ser ouvido mas poucos são os que querem calar e aprender todos os lados, é um talento saber ouvir e maior ainda saber não responder logo. A democracia está a desaparecer (se é que alguma vez existiu) e não existem muitos que se queiram sentar e debruçar sobre o assunto. Aristóteles acreditava que a melhor forma de uma democracia era ter todos os cidadãos sentarem-se e debaterem sobre os assuntos, demorasse o tempo que demorasse. Não digo que é isso que o mundo necessita, todavia, seria bom ver mais conversa e menos ameaças de mísseis a circular pelos ares, mas isso é outra conversa. Os poetas estão a perder musas. A imaginação está a ser caçada. Os contos já não se lêem aos netos. Muitos professores de português estão a perder a paciência de explicar Pessoa a alunos que não querem saber o que é estar Desassossegado.  Tiram-nos os sonhos sem dó, retiram-nos as esperanças. Eu pergunto-me se sou a única que se sente assim, cheia de vontade de dar, de aprender, de saber mais mas que aos poucos o mundo e as pessoas que me rodeiam tiram-me aos poucos isso. Porque tenho de ser realista, porque tenho de ir tirar outro curso, porque eu não vou trabalhar na minha área. Claro que Humanidades não é só escrita, abrange Geografia, Línguas Estrangeiras, Política, Literatura, História, Filosofia, Arqueologia, Cultura Clássica, Antropologia.. Sem nós o mundo tornaria-se frio. Tornaria-se racional demais. 

Há uma frase de um filme The Dreamers (2003) que eu gosto muito e descreve perfeitamente a situação: 


"Livros, não armas. Cultura, não violência." 


Um dia entenderam que o nosso lugar não é no canto de uma sala, que é no meio, junto de todas as áreas. Porque tal como elas, Humanidades tem uma grande importância para o desenrolar da História da Humanidade. 

Serei só eu a pensar assim? Qual será o nosso papel? Somos mesmo obrigados a esquecer aquilo que nos sentimos aptos a ser e a fazer porque não temos lugar no mundo? Porque o emprego é pouco e porque não é assim que o mundo funciona? Porque qualquer um pode escrever um livro? Porque História não é importante? História é muito importante, se toda a gente a estudasse se calhar o mundo estava diferente. Se todos soubessem o que já aconteceu, talvez, os mesmo erros não fossem repetidos. Nós procuramos estudar o Homem e os seus pensamentos, a sua natureza. Queremos ver para além do que é, mantendo os pés no que realmente se retrata perante os nossos olhos. Vemos muitas vezes o lado Humano de cada situação e gostamos de ser críticos, de analisar bem uma situação. Há quem veja o filme e dê uma avaliação de 1 a 10 mas nós perdemos-nos a tentar perceber a sua essência e o que o autor ou realizador realmente quis dizer. Já é instinto. 

Pensamos demais? Provável, mas gostamos de pensar.

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